As diferenças no erotismo feminino e masculino e as possibilidades do amor feliz
Numa visão mais romantizada, o amor deixa tudo mais colorido, mais saboroso; o que antes era sem graça, ganha vida. O amanhecer é mais alegre, o dia é mais cheio de risos largos; tudo ganha significado. Para o amante o amar acaba por reconstruir seu mundo interno, com visíveis impactos externos. É como se todas as músicas fossem para glorificar seu amor, os pássaros cantam em sua homenagem, a vida encontra sentido, há uma transformação e tudo fica mais leve. Ficamos mais imunes aos problemas externos, criamos filtros mais apurados, onde só passa o que de melhor se pode absorver do mundo. Este estado de graça, estado de espírito, nos põe em contato direto com a felicidade. Desejamos o melhor, temos o melhor e por isso amamos ainda mais.
No homem o erotismo é mais visual, mais genital. Já na mulher, a erotização é cutânea, uma sensibilidade tátil, muscular.
O amor de Éros é o amor erótico. Erotismo, diz o filósofo francês Andre Comte-Sponville, “é a arte de desejar e de fazer desejar”; o erotismo abarca os cinco sentidos, alguns mais aguçados do que os outros, com diferenças marcantes entre homens e mulheres. “O erotismo se apresenta sob o signo da diferença”, diz o filósofo italiano Francesco Alberoni. No homem o erotismo é mais visual, mais genital. Já na mulher, a erotização é cutânea, uma sensibilidade tátil, muscular; está muito ligada aos odores, ao contato com a pele, além da audição.
Ao que parece, na mulher há mais possibilidades de haver uma erotização, pois são muitos os meios. Até mesmo as roupas íntimas em contato com a pele a erotiza. Para o homem, a nudez feminina é o alvo de sua atenção, desejo e erotismo. Para a mulher o homem nu, por vezes, é menos erótico que um homem vestido, preferivelmente de uniforme. É claro que as diferenças aos poucos vão mudando, isso pelo fato da ascensão da mulher ao mercado de trabalho e a própria participação social, que modificam um pouco essa visão. A exposição cada vez maior da nudez masculina, também instiga essa forma de erotização nas mulheres. Nos homossexuais, da mesma forma, o homem é bastante visual e a mulher mais tátil e auditiva, a diferença é a direção do olhar e o sentido erótico entre homens e mulheres.
Amantes: Somos Um ou Somos Dois
O que normalmente vemos em relação ao amor, ou pelo menos o que desejamos ver, condiz mais com o mito exposto pelo filósofo grego Aristófanes sobre a apregoada alma-gêmea. Quando se encontra a outra metade, estes seres, diz ele, são “transportados por uma onda de amor, de ternura e de simpatia; para tudo dizer numa palavra, não desejam estar separados nem um instante sequer”. Esse retorno à primeira natureza humana é o que nos curaria da solidão. Este seria, diz Sponville, “o amor total, amor absoluto”. Isso é o que desejamos, gostaríamos que fosse a mais pura verdade, mas isso seria fácil demais. Pois se assim fosse bastaria encontrar minha outra metade e estaria realizado, seris feliz para sempre.
Demasiada ilusão. Nada há de absoluto, não seria o amor uma exceção. Esse amor, quem sabe já o experimentamos quando estávamos no útero materno, quando dois eram um, completude, homeostase. Mas o nascimento trouxe a separação, e jamais poderíamos retornar, a não ser pela via da doença, da patologia, da loucura. Talvez por isso a paixão seja esse estar afetado por uma espécie de loucura, esta que nos faz pensar ilusoriamente que o amor completude é possível.
É o amor que sempre se renova, que sempre se modifica para permanecer sempre igual. Um amor feliz começa a despontar.
É claro que temos os romances, o cinema, as histórias de amor inventadas que dizem ser isso possível, mas, “é preciso ser dois para fazer amor, e é por isso que o coito, longe de abolir a solidão, a confirma”, diz Sponville. No ato amoroso há essa busca da fusão, talvez por um breve momento o casal se iluda de que isso é possível, procura de todas as formas colare-se, trocar fluídos. Vãos esforços, pois nunca poderão fundir-se por inteiro. Depois disso a decepção, a tristeza de não ter satisfeito o desejo da fusão, se veem novamente dois e sempre serão dois.
Amor é falta ou é presença?
Para Sócrates o amor não é presença, é falta; não é fusão, é busca constante; não é plenitude, antes sim uma carência que nos devora: amor, desejo, falta. Só podemos desejar na medida que se percebe que algo nos falta. Desejamos porque sabemos exatamente o que queremos. Só haverá o amor quando direcionarmos nossa atenção para algo específico, que é o objeto de nosso desejo. É como ouvir uma música de que você gosta (desejo) e ouvir qualquer música (fugir do silêncio, passar o tempo). A fome não deseja um alimento, ela precisa de um alimento, e nenhum em específico; já o desejo prima por comer o que gosta.
Só haverá o amor quando direcionarmos nossa atenção para algo específico, que é o objeto de nosso desejo.
A razão cria alternativas, ilumina caminhos para que o amor possa ter um pouco mais de discernimento. Como todos sabem, há amores felizes, há casais felizes, e isso, o real sempre implacável, também nos mostra. Sendo assim, o amor sempre é a melhor saída. O poeta Rilke belamente define casal: “duas solidões se protegendo, se completando, se limitando e se inclinando uma diante da outra”. Essa proteção não impede a solidão individual, apenas ameniza. Mas que amor! Um cuidando da ferida do outro, aguardando cada um a sua cicatrização.
O Amor Feliz é Possível
Que há casais que vivem felizes é inegável, mas como, se o amor é falta? Nem Sócrates, nem Platão conseguiriam explicar de onde viria essa felicidade a dois. “Se o amor é falta, como saciá-lo sem abolir, como satisfazê-lo sem o suprimir, como fazê-lo sem o desgastar ou sem o desfazer?”, pergunta Sponville. O prazer é, em última instância, a meta do desejo; com a felicidade abole-se a paixão. Como poderia então o amor ser feliz se apenas ama o que lhe falta? Será que o amor só perdura na ausência, na distância, será que dura enquanto houver sofrimento ou falta, será que o amor só se traduz em Tristão e Isolda, em Romeu e Julieta? Será que só no romantismo ele perdura? É porque casal não se resume a apenas Éros, a apenas sexo, vai muito além disso, o casal feliz invade o terreno dos outros amores. A solução para o amor, portanto, seria o que poderíamos chamar de amor-feliz, ou uma junção de “Éros-Philía” ou amor-amizade.
Talvez nem todo desejo, nem todo amor seja falta, ele também é presença. Se estou nesse momento a escrever, o que desejo senão isso? Desejo a palavra que agora escrevo, desejo cada pensamento, cada ideia que vem à minha mente e que transcrevo para a tela. Se me faltassem palavras não escreveria, e como faltaria já que estou a escrever? Ao mesmo tempo, como escreveria cada palavra se assim não desejasse? Se eu desejasse apenas a palavra vindoura, não escreveria agora, que é; mas no futuro, que não é. Quando se para de esperar se “des-espera” e se faz, é a troca do futuro pelo presente, da ansiedade pelo real, da angústia pelo real, do medo de viver pela vida em si, da falta pelo amor presente, da esperança pela felicidade. O presente se orienta para o futuro, mas quando depende de si não é esperança, antes sim é poder, é saber e é querer, que é presença.
Também desejamos o que não nos falta, e este é o salto quântico que muitos casais não dão, não conseguem transpor essa barreira do desejo como presença e ficam apenas no desejo como falta. Porque sempre se lançam ao futuro de esperanças e se esquecem do presente. É sempre o momento que se imprime, Santo Agostinho mesmo dizia que existem sim três tempos: “o presente das coisas passadas (memória); o presente das coisas presentes (visão) e o presente das coisas futuras (expectativa)”. Estou com a pessoa amada e desejo estar com ela: é gozo, é desfrute, é regozijo, é ação.
Nem todo amor é sofrimento e falta. O amor também é disponibilidade, é entrega, é prazer do início ao orgasmo.
E o que há de mais maravilhoso do que desejar e ter, de estar sendo satisfeito em tempo real? A desejarei amanhã? Ela me desejará? Não sei, e como poderia saber, já que nem tudo depende de mim? Mas por que eu estragaria o gozo de hoje, que depende de mim, pela dúvida, pela possível falta no amanhã, que não depende? Para que eu deveria desejar que ela me amasse amanhã e sofrer antecipadamente com a falta, se a tenho agora em presença, em ato, toda minha. É o real, e sempre o real quem nos tira e nos dá. Já o futuro nem nos tira nem dá nada, pois ele não existe.
Se eu não fizer algo no presente que me oriente para o futuro, não terei esse futuro, pois não tenho presente. Fazer amor com a pessoa que se ama é presença, não falta, já que está ali, disponível. Nem todo amor é sofrimento e falta. O amor também é disponibilidade, é entrega, é prazer do início ao orgasmo, e este quando ainda não chegou, nem é uma falta, pois sabemos que ele logo virá e que o prazer não está apenas nele, mas também durante todo o percurso. Gozam a presença do amor, a presença da felicidade.
E o que há de mais maravilhoso do que desejar e ter, de estar sendo satisfeito em tempo real?
Do contrário, se eu privilegio o amor enquanto falta, estando com a pessoa que amo, não é ela que tenho, é uma idealização que desejo. Não é ela, é quem eu gostaria que fosse. Não é o que ela diz, é o que eu gostaria que ela dissesse. Não é como ela se arruma, se pinta, se torna disponível; como ela se mostra, mas o fantasma que alimento em meu mundo das ideias, e isso se estende por todas as atividades em que estou na presença dela, sempre o que poderia ser, sempre o que falta, nunca o que é. Sempre triste, sempre infeliz. Não transpõe Éros, não encontra philía.
“A amizade não se deixa afastar da realidade”, dizia Simone Weil, já o amor, o mais das vezes vive fora dela. O amante vê o amado como gostaria que fosse (Éros/falta), o amigo vê o outro como ele é (philía/presença). Poder gozar com a presença é essa fusão entre Éros e Philía, um amante amigo, um amigo amante. É o desejo de Éros e o encontro numa relação que visa ao bem mútuo, em que se veem mutuamente como são. Eis o amor feliz.
Odair J. Comin
Psicólogo Clínico, Hipnoterapeuta e Escritor.
Texto extraído e adaptado do livro “Mestre das Emoções“ de Odair J. Comin.
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