Por Odair José Comin
O Ser Humano passa por inúmeras transições, e dependendo da cultura, da região ou do país onde este indivíduo está inserido, estas transições variam. Em alguns existe todo um ritual que marca a passagem, em outras, muitas vezes o indivíduo se vê sozinho, vendo a transformação com medo, sem informações, sem saber o que fazer. Os tabus acabam por distanciar o humano da realidade natural e o jogam para um mundo obscuro e cheio de incógnitas. Também é importante salientar que mesmo dentro da mesma cultura, pode-se ter passagens ritualísticas diferentes. Ao mesmo tempo em que podem estar se modificando no seguir das gerações.
É importante estarmos atentos, principalmente em se falando de prática clínica no atendimento psicológico. É preciso averiguar não só o tipo de cultura, mas também em que padrão familiar a pessoa está inserida. As vezes, cada núcleo familiar tem seus próprios rituais, e para entender um indivíduo em suas atitudes presentes, é premente saber e entender sua história.
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Uma passagem em momentos pode ser percebida como uma crise: individual, da família ou mesmo do casal. Crise porque toda mudança pode gerar ansiedade, angústia, o medo do novo fica latente, o que possivelmente pode vir à tona no centro de uma transição. Instaura-se a crise e por meio dela é possível buscar um crescimento ou amadurecimento dos envolvidos.
Se o psicólogo tiver acesso, se faz necessário manejar essa transição de modo a restabelecer o equilíbrio já num patamar acima. Assim a crise não terá sido em vão, do contrário, não passará de um desentendimento ou discordância entre partes. Em alguns casos, vemos formas de manejar a crise sem uma mudança efetiva e crescimento. Resolve-se o problema, porém isso não impede que a mudança em algum momento possa ocorrer, o que torna a situação crônica. Pode-se tomar remédio para depressão, por exemplo, mas isso não impede que os processos interiores aconteçam.
É importante trabalhar também a família
Além do indivíduo, é importante trabalhar a família, pois é nela que o indivíduo estabelece suas primeiras relações e aprendizagens, é nela que terá todo o reconhecimento inicial ou o não reconhecimento. Dependendo do tipo de relação que for estabelecida, determinará em muito o convívio com a sociedade e sua adaptação à ela.
Trabalhar a família é importante porque muitas vezes ela estabelece uma relação doentia com os membros. Quando chega-se a uma certa idade, os pais precisam libertar seus filhos, se isso não acontecer, estes acabam por manifestar diferentes sintomas como uma forma de entrar em erupção e mostrar à família a mudança que já deveria ter acontecido. Esta pode ser um ataque de pânico, depressão, fobia, ansiedade, uso de drogas ou qualquer outro sintoma ou doença. É necessário liberta-los da teia que os prende para que possam sentir-se livres e cresçam com a mudança.
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Em casos extremos, chega a ser necessário isolar o filho da família por um tempo, para que este possa se perceber enquanto indivíduo independente. Inicialmente é como se o filho necessitasse perder-se da família para se encontrar como ser individual, para depois poder reencontrar a família já livre, buscando uma convivência harmônica e equilibrada.
Em muitos momentos da vida, talvez de forma inconsciente, acabamos querendo voltar para o paraíso perdido que foi o útero materno, porém sem acesso. Por vezes acabamos por criar um mundo restrito, uma área que seja nossa zona de conforto neste imenso universo. Acabamos por restringir nossos espaços, criamos limites para nos sentirmos mais seguros, precisamos de ambientes conhecidos, o novo nos causa medo, ir além das fronteiras causa pânico e por vezes vivemos num eterno útero materno sem nos darmos conta.
Infância, adolescência e namoro
As transformações iniciais do ser humano são sim extremamente importantes, porém sem muita consciência para o pequeno ser. O impacto maior é quando de repente a infância começa a escapar e a adolescência chega. A puberdade vem arrebatadora, mudanças corporais começam a se tornar cada vez mais gritantes. As mudanças corporais podem causar medo e dor. Novos comportamentos precisam ser estabelecidos nos meninos e meninas. Os pais precisam estar atentos para auxiliar os filhos nessa passagem, para que seja mais harmônica possível.
O período da adolescência trás consigo inúmeros dilemas, que o potencialmente adulto enfrenta e que poderá ter grande influência na atuação e no reconhecimento do grupo e da sociedade. É uma fase bastante importante onde a rebeldia se torna mais visível, pois este quer decidir e fazer suas próprias escolhas. Já não aceita mais a imposição dos pais e quer ter sua independência, sua liberdade, mesmo que em muitos casos, o adolescente nem saiba o verdadeiro significado de tais palavras. Este também é um período em que a ajuda de um profissional psicólogo pode ser solicitada. Pois a orientação se faz premente para um indivíduo com muitas encruzilhadas pela frente e com poucas experiências.
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Namoro
Com a adolescência, e isso cada vez mais cedo, vem a fase do namoro, a busca de um parceiro, e esta conquista, também serve de status frente ao grupo e a sociedade como um todo. Este acaba sendo um período crucial, pois aqueles que não conseguem estabelecer relações nessa fase, acabam tendo mais dificuldades futuras, além de serem renegados à margem ou sendo muito cobrados pela falta de ligação com o sexo oposto. Preconceitos podem advir deste comportamento e mesmo a exclusão. O próprio adolescente acaba por se excluir, ao perceber que suas experiências com o sexo oposto estão muito aquém dos meninos e meninas da sua idade. Essas interações envolvem a paquera, o primeiro beijo, a conquista, o namoro e a própria relação sexual, que se inicia cada vez mais cedo. Aqueles que não passam por essas experiências, podem ser taxados de terem um comportamento não apropriado.
Até o período da adolescência, a família tem primordial importância na educação e nas diretrizes a serem seguidas. Na munição de ferramentas e instrumentos para que o indivíduo possa conduzir a própria vida. Para isso, a família deve ensiná-lo a ser livre, a buscar, a conquistar por si mesmo. Entretanto, nem sempre isso acontece, e por vezes a família acaba sendo um empecilho para seu crescimento e desenvolvimento humano. É necessário deixar o homem suportar os próprios riscos tanto de errar quanto de acertar, para que o equilíbrio passe a ser parte integrante da educação e das aprendizagens da vida. Poderíamos dizer que o caminho do meio seria o melhor e mais seguro, pois tropeçar no meio é diferente do que tropeçar na extremidade de uma ponte.
O ciclo de vida
Homens e animais possuem processos semelhantes de crescimento e desenvolvimento. Existe a fase de namoro, acasalamento, a construção da casa ou ninho, a criação dos filhos e seu posterior desligamento rumo à própria vida. Todavia, pela complexidade humana, o ciclo de vida do homem nem sempre segue essa ordem. Pode ser antecipada, atrasada ou mesmo nunca acontecer. Disso podem advir dificuldades de relação consigo mesmo e com a sociedade. Pais superprotetores, rígidos ou castradores, dificultam a relação dos filhos com o meio. Muitas vezes o adolescente precisa mostrar uma forma de viver requerida pela família que o limita na sociedade.
Com isso, há um atraso em relação aos jovens da mesma idade, o que pode trazer a consequência de um distanciamento da realidade. O jovem se percebe como estando fora de seu tempo, dificultando seu embarque para uma vida adulta saudável. Há casos em que os pais enleiam seus filhos na teia familiar por tanto tempo, que o filho acaba por nunca sair para estabelecer novas relações encerrando-se em si mesmo e na família original. Normalmente os adolescentes que ficam à margem ou excluídos, também têm dificuldade de se desligar da família para percorrer o próprio caminho e estabelecer novos laços familiares. Consequência do aprisionamento dos pais, que gera medo e insegurança para que os laços se concretizem.
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A fase que vai do início ao fim da adolescência, é crucial para o indivíduo estabelecer relações saudáveis e adquirir maturidade. É a fase onde começa a estabelecer suas primeiras relações afetivas, relações com o grupo e adquirir maior liberdade. Os estudos e a possibilidade de escolher uma profissão com a entrada na faculdade. O trabalho, o namoro e muitas vezes o próprio casamento. Ou seja, muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo, e estas sendo decisivas, e que poderão estar influenciando em muito o modo de vida dali em diante. Portanto, o adolescente deverá saber gerenciar toda essa enxurrada de escolhas e decisões a serem tomadas. Para isso, precisa ser bem orientado, seja pela escola, pela família ou um terapeuta. É preciso eliciar suas potencialidades e habilidades para que possa adquirir a maturidade necessária para viver a própria vida e fazer escolhas saudáveis.
Casamento, gravidez e filhos
O casamento é uma das fases mais importantes na transição dos ciclos humanos. Este envolve não só um indivíduo, mas sim um casal e além destes, os pares familiares. Mostra que dali em diante uma nova vida em comum será estabelecida, além de abrir as portas para a vinda dos filhos. A cerimônia é cada vez menos comum, porém esta se apresenta como um divisor de águas, um marco para o casal e familiares. É a imagem da consolidação da união, e ao mesmo tempo uma realidade que se apresenta aos envolvidos para que elaborem tanto o luto do filho que agora terá sua própria casa, como a aquisição de novos membros, genro, nora, sogros… Mostra que a partir daí, novas relações serão estabelecidas.
O casamento será uma fase de conhecimentos mais íntimos e aprimoramento do jovem casal. A continuidade dependerá das razões pelas quais se casaram e do respeito que for estabelecido entre ambos. O ato simbólico do casamento é um compromisso de amor por toda a vida. Todavia, esse compromisso é cada vez menos cumprido. O divórcio faz cada vez mais parte do cotidiano do casal. Ao mesmo tempo as decepções com o outro e comportamentos que não eram visíveis no período de namoro, começam a se tornar salientes no casamento, o que pode ser motivo de brigas e desajustes conjugais.
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Nesta fase, é necessário estabelecer uma comunicação mais clara e eficaz entre o casal, de modo a buscar a solução do impasse. Ao mesmo tempo uma orientação psicológica pode ser primordial para a continuação do relacionamento e o possível entendimento e compreensão das partes. Do contrário, se houver a separação, há um ciclo interrompido que necessitará uma reconciliação consigo mesmo e um entendimento saudável com o par e filhos se houver.
Gravidez
A gravidez é um momento mágico, é um reencontro, e só a mulher é capaz de ter sido gerada e de gerar. O encontro entre a capacidade geradora e a própria geração. Traz um poder que ainda não havia sido experimentado, mesmo que talvez há muito rondasse o imaginário da mulher. Ainda não havia provado a si mesma que era capaz de gerar um filho. Com a gravidez, a mulher se vê alterada enquanto imagem corporal e também no que tange a pensamentos, sentimentos e comportamentos. Uma transição com duração de até nove meses, onde a mulher percorre de extremos como a dor e o prazer, sofrimento e felicidade, angústia, ansiedade e tranquilidade, medo e coragem. E ao lado da mulher, o homem também pode passar por muitas transformações.
A gravidez pode encerrar muitas dúvidas, ao mesmo tempo em que abre um turbilhão de novas incógnitas. Como o marido a tratará, como será o filho, será perfeito, gostará da mãe, meu corpo está deformado? Será que essas mudanças de humor e comportamento continuarão após a concepção, preciso de cuidados especiais? Dúvidas que rondam o imaginário da futura mãe e que podem provocar muita angústia. Entretanto, gravidez não é doença, e sim o contrário, mostra um corpo perfeitamente saudável e com capacidade geradora. Temos ai uma nova transição humana, passando da condição de filhos para pais. O nascimento de um novo ser cria um pai, uma mãe, avós, tios, primos, etc. Cria-se uma nova família.
Turbulência e Acomodação
Nossa vida é permeada pela turbulência e acomodação. Uma nova transição é sempre passível de turbulência, de crise e a consequente busca pelo equilíbrio e a acomodação até um novo estágio. Isso faz parte de todo o humano sem exceção. Muitos fatos curiosos podem aparecer no anteceder de uma mudança, isso porque invariavelmente temos medo do novo, do desconhecido, e isso faz com que por mais que queiramos, tentamos evitar, um paradoxo entranhado em nossos anseios mais profundos.
O nascimento do primeiro filho pode gerar conflitos entre o casal, porque o que antes era vivido e resolvido a dois, agora precisa de uma triangulação. Será aos pouco que o casal perceberá que há uma terceira pessoa, e que esta precisa ser incluída em suas decisões. O que também pode gerar ciúmes, quando se acredita que há maior atenção para o filho em detrimento do cônjuge.
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Nesse período, principalmente o homem, busca uma estabilidade profissional, pois é o responsável e provedor da família. Busca um reconhecimento social e precisa aprender a dividir seu tempo entre a esposa, filho, trabalho, amigos e outros. Nesse momento, novos conflitos podem vir à tona, sejam eles internos ou externos. Novamente a busca e espera pelo equilíbrio e acomodação. Aquele que consegue perceber os mecanismos dos momentos de transição, consegue assimilar com mais facilidade e até mesmo atravessar essa ponte com mais rapidez e segurança.
Outro momento de transição ou crise, é quando os filhos começam a sair de casa, seja para estudar, trabalhar ou mesmo o casamento. De repente o casal se vê novamente sozinho, e precisam se adaptar à nova vida. Muitas vezes é o momento em que sonhos há muito esquecidos entram na pauta dos objetivos. O casal pode usar essa transição a seu favor ou ficar se lamentando por longos períodos. É necessário estabelecer como viverão suas vidas a partir de então. Afinal, estão livres e podem fazer o que bem entenderem.
Aposentadoria, velhice e morte
Depois de muitos anos dedicados à profissão, chega o momento de se aposentar, retirar-se da vida profissional para poder passar mais tempo com a família. Este novamente pode ser um momento de crise, mais uma transição. De um dia para o outro, o casal se vê numa convivência de 24 horas por dia. Um não sabendo o que dizer para o outro, ao mesmo tempo a falta que o trabalho pode trazer. Sendo assim, é preciso planejar a aposentadoria com antecedência para que seja gradativa, e quando esta se efetivar, o casal estará preparado e com planos para aproveitar esta fase rumando a um envelhecimento mais tranquilo.
Envelhecer pode ser a sensação de missão cumprida, de estar passando pelo último estágio da vida. As forças não são mais as mesmas, a agilidade diminui, é necessário ir modificando o ritmo, buscar novas fontes de prazer. O corpo se cansa com facilidade, é preciso se adequar. Envelhecer também é um momento mágico como qualquer outra transição humana. E para que possa ser percebido desta forma, é premente encontrar o sentido da vida na velhice. Se a vida deixar de ter gosto em alguns aspectos, encontre gosto em outros. Se a vida ficou amarga por isso ou aquilo, encontre outras possibilidades de adocicar, saiba que a vida sempre pode ser generosa.
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A nostalgia está muito presente no idoso, mas também é importante manter a chama do por vir, do futuro. A vida pulsa até o último segundo. Precisamos continuar plantando vida, que por certo a colheremos. A morte põe fim a grande travessia da vida, entre turbulências e acomodações, põe fim a uma vida solitária ou à dois. Para quem partiu, missão cumprida; para quem fica, é o momento de elaborar o luto e reaprender a ter a si mesmo como companhia e se preferir buscar o amparo da família.
Entretanto, o mais importante é saber que esta é apenas pais uma turbulência e que logo a calmaria e a estabilidade se farão presentes. As transições são inevitáveis, não podemos dizer não a elas, o bom é que podemos aprender a lidar com elas de forma saudável. De forma que possamos aprender e crescermos com elas. É o “xaqualhão” que a vida nos dá, é uma oportunidade de aprimoramento, rumo a uma vida mais equilibrada e feliz. A questão é como cada um irá encarar suas diferentes fases de transição: a favor ou contra si mesmo.
Referências Bibliográficas
HALEY, J. Terapia não-convencional. São Paulo, Summus, 1991.
GOLDENSTEIN, E. Sua majestade o bebê. São Paulo, Casa do Psicólogo, 1998.
Fonte: Revista Psicologia Brasil.
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