Preconceito Aprendido
Por Ana Paula Macedo
Pesquisa canadense indica que criança de até 7 anos são muito vulneráveis a opiniões discriminatórias emitidas por adultos.
“É bom ser criança, ter de todos a atenção. Da mamãe, carinho, do papai, a proteção. É tão bom se divertir e não ter que trabalhar. Só comer, crescer, dormir, brincar”. Os versos de Toquinho representam como, na infância, as preocupações são poucas e dão lugar às brincadeiras, aos amigos e à felicidade, elementos que aparentemente caminharão com a criança pelo resto da vida. No entanto, não é só isso que os pequenos levarão ao longo do tempo. Segundo pesquisa da Universidade de Toronto, no Canadá, nessa fase surgem também as primeiras noções de preconceito e discriminação, geralmente aprendidas dos adultos.
A conclusão foi publicada no jornal eletrônico Personality and Social Psychology Bulletin. Sonia Kang, chefe do estudo, buscou entender como acontecem as relações na infância e de que forma as crianças lidam com a rejeição de outros grupos a partir do que sabem sobre discriminação, preconceito e estigmas – a maneira que as pessoas identificam outras a partir de uma ideia pré-formulada ditada pelos padrões sociais. “Previamente já tínhamos feito uma pequena pesquisa examinando os efeitos do estigma em adultos, mostrando que ‘copiar’ o preconceito que muitas pessoas compartilham tem consequências negativas. A partir disso, vimos que seria possível que o preconceito na infância estava ligado ao estigma na vida tardia”, explica a pesquisadora.
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No estudo, Kang trabalhou com 300 crianças de 1ª, 3ª, e 5ª séries em uma escola multiétnica de Toronto. Foi dito aos participantes que eles entrariam em um jogo do qual participariam dois times, um identificado pela cor vermelha e outro pela azul. No entanto, todas as crianças eram colocadas no time vermelho. Então começava o teste. Enquanto esperavam, adultos diziam aos meninos e às meninas que o time azul era composto por crianças más. Ao mesmo tempo, era informado que, talvez, o time azul deixasse doces de presente para a equipe vermelha.
Numa primeira fase, as crianças da 1ª série não recebiam os doces, enquanto as mais velhas eram presenteadas. Os pesquisadores observaram que, por terem recebido o doce, os alunos de 3ª e 5ª séries mudaram de opinião sobre o time azul, questionando a opinião dos adultos. Já os estudantes mais novos continuaram acreditando que a equipe adversária era mesmo má. Numa fase seguinte, as crianças da 1ª série também recebiam os doces.
Assim, elas tinham dois dados conflitantes sobre a equipe azul: a opinião negativa dos adultos e um gesto gentil, de dar doces de presente. Mesmo nessa situação, as crianças mais novas continuaram acreditando que o time adversário era mau, comprovando o que os pesquisadores já previam: o que se ouve no início da infância é tomado como verdade. “O poder que um parente, irmão ou professor tem sobre uma criança dessa idade abre possibilidades para que mensagens negativas sejam entendidas e absorvidas de uma maneira muito forte”, destaca Kang.
Imitação
A psicóloga Jéssica Fogaça ressalta que as crianças imitam os adultos por eles serem referências de comportamentos. “Muitas, dos 3 aos 6 anos, já mordem os colegas de quem elas não gostam. Aos 10 anos, aprenderam a utilizar os estigmas para falar mal dos outros e utilizam artifícios, passados pelos mais velhos, para fazer julgamentos. Para evitar essas atitudes, os pais devem desenvolver empatia na criança, para que ela consiga se colocar no lugar do outro”, recomenda.
Mayana Brum, 23 anos, tenta acostumar o filho, Vitor, 5, à diversidade. “Fui criada em um ambiente que tinha conceitos fortes sobre diferentes tipos de pessoas, dos quais eu discordava completamente. Hoje, meu filho, apesar de ser muito novo, convive com todo tipo de pessoa, a todo tempo. Ele tem amigos negros e deficientes e acha isso normal. Acredito que esse jeito dele é reflexo da forma como o criei. Sempre falei que, mesmo que ele ache uma pessoa diferente, ele não deve excluí-la e, sim, achar isso normal”, completa a bacharel em direito.
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Preocupação semelhante teve a advogada Isabella Barbirato, 43 anos, que, desde cedo, buscou ensinar as filhas Eduarda, 18, e Paula, 15, sobre respeito, preconceito e discriminação. “Moramos na capital de um país que abriga pessoas de todas as raças, costumes e lugares. Cultivar o respeito e a boa convivência é fundamental. Eu e o pai delas observamos que elas são cuidadosas e sensíveis a qualquer tipo de atitude que possa ser considerada como um desrespeito ao próximo. À medida que elas crescem, também desenvolvem conhecimentos e aprendizados que são compartilhados sempre que necessário comigo e com o pai”.
Escola
Além dos pais, a escola tem um papel fundamental na formação moral dos pequenos. “Por volta dos 3 anos, a criança deixa seu núcleo familiar em direção à escola. Chegando a um novo lugar, ela encontra colegas diferentes e aprende a socializar com eles fora do contexto familiar. É papel dos professores orientá-la nesse aspecto”, opina Conceição das Graças, pedagoga e diretora de colégio.
O auditor fiscal Walter Novaes, 51 anos, concorda com a especialista e aposta em um trabalho conjunto entre pais e educadores. “Acredito que qualquer preconceito pode ser criado por influências de colegas, e os pais devem se preocupar com isso. Como as crianças não conseguem assimilar tudo que ouvem, temos que, além de ensinar, influenciar”, diz o pai de Kamily, 17, Miguel Felipe, 18, e Marianny, 22. “Sempre ensinei que todos são diferentes, mas não devem ser discriminados por isso. Acompanho meus filhos e vejo que eles cresceram respeitando as pessoas”, completa.
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Especialistas atentam, no entanto, que é importante não generalizar todas as crianças e respeitar seu processo de formação. “Cada pessoa é única. Uma coisa pode ficar mais marcada em uma criança, enquanto em outras, isso flui diferentemente. Os pais devem marcá-las com igualdade e respeito”, afirma Silvana Bergmann, coordenadora da 1ª fase do ensino fundamental de um colégio. A psicóloga Luciana Pires lembra que é importante interpretar corretamente o significado dos atos na infância. “Bater em um colega é uma forma de a criança pequena ter contato e se aproximar do outro. Deve-se ter cuidado para não introduzir precocemente o código adulto de mau e bom no mundo das crianças”, conclui.
Absorção rápida
“Sabemos que as crianças absorvem até com mais facilidade que o adulto aquilo que é passado. Se o preconceito está inserido no meio, seja pelos pais, pelos colegas ou pela escola, a criança aceita aquilo como verdade. A pesquisa aponta que até os 10 anos, uma pessoa já amadurece seus processos cognitivos e o conceito de verdade sofre várias ramificações: aquilo que ela conhecia já não é mais abordado da mesma forma. No entanto, no Canadá, há outro tipo de cultura e um nível mais elevado de conhecimento. No Brasil, a pesquisa seria diferente, levaríamos em conta as escolas, públicas ou privadas, de vários bairros, para reunir um maior número de informações e entender como o preconceito é passado ‘de pai para filho’, afirma Odair J. Comin, psicólogo e autor do livro Mestre das emoções.
Fonte: Jornal Correio Braziliense.
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