Pela primeira vez, neurologistas conseguiram enxergar um cérebro hipnotizado. Graças a exames que registram as áreas cerebrais ativadas durante o transe, o mistério da hipnose começa a ser decifrado.
Por Ivonete D. Lucírio e Lúcia Helena de Oliveira
O assunto sempre gerou controvérsia. Tem gente que acha a hipnose um jogo teatral. O hipnotizado fingiria sensações que seu cérebro não sente, querendo se iludir, mas, no fundo, no fundo, sabendo da farsa. E tem gente que vê na hipnose um estado neurológico especial. Nele, o cérebro focaria a atenção no assunto sugerido pelo hipnotizador, sem dar bola para outras informações registradas naquele momento. Ok, tudo continuaria não passando de ilusão. Mas com uma enorme diferença: o cérebro é que seria iludido, sentindo de fato o que o hipnotizador lhe sugerisse. Seria possível até ver o cérebro sendo enganado. Aliás é exatamente isso o que está fazendo um grupo de cientistas americanos – eles entraram de cabeça na hipnose para desvendar seus mistérios e acabar com a polêmica.
Os resultados preliminares desse estudo, são espantosos. Dezesseis voluntários observaram imagens em cores na tela de um computador. Depois de hipnotizados, eles foram levados a acreditar que a mesma figura colorida, vista outra vez no monitor, era toda cinza. Nesse instante, o cérebro ativou uma região que inibe a visão das cores. Ou seja, sem nenhuma possibilidade de farsa, o cérebro passou a ver em preto e branco. Mais tarde, os mesmos voluntários foram induzidos a ver cores em imagens onde elas não existiam. E, outra vez, bingo! Os resultados confirmaram que o cérebro estava mesmo “vendo” colorido.
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Olhos fechados, mente atenta e concentrada
“A gente ainda não conhece os detalhes do processo, mas o quadro está cada vez mais claro”, disse o americano Stephen Kosslyn, psicólogo e neurologista da Universidade Harvard, um dos coordenadores da experiência, que também contou com psiquiatras da Universidade Stanford, radiologistas do Hospital Geral de Massachusetts, em Boston, além de neurologistas do Memorial Hospital, de Nova York. Para esse time da pesada mergulhar na hipnose, um equipamento foi fundamental: o PET, que mostra com precisão quais regiões cerebrais estão sendo ativadas a cada momento.
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Há pouco mais de dois anos, o PET passou a ser usado para a investigação da hipnose. Kosslyn explica: “Exames mais antigos, como o do eletroencefalograma, poderiam até mostrar a região da visão sendo ativada como um todo, mas não informariam se o indivíduo estaria enxergando colorido ou em preto o branco aquilo que afirmasse enxergar”. Segundo o psiquiatra David Spiegel, da Universidade Stanford, o PET também confirmou outro ponto importante: “Os centros ligados à atenção permanecem ativos”.
Nessa tecla, o fisiologista italiano Giancarlo Carli já vem batendo há mais de uma década, apesar de a palavra hipnose, criada no final do século XIX, ser derivada de Hypnos, o deus grego do sono. “A hipnose é um estado de vigília. Ela nada tem a ver com adormecer”, afirma ele, que é considerado um dos maiores especialistas mundiais no assunto. “O próprio eletroencefalograma já indicava isso ao registrar as ondas cerebrais. Durante o sono, há ondas bastante típicas, que nunca aparecem nos hipnotizados. Mesmo aqueles que chegam ao grau mais profundo da hipnose apresentam ondas cerebrais de quem está acordado.”
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A Hipnose e a Ciência
Se os cientistas entendem melhor o que é a hipnose, eles pouco sabem sobre a trajetória que leva o cérebro a esse estado. Há indícios de que uma estrutura cerebral semelhante a uma rede, chamada formação reticular, funciona como elo entre a voz do hipnotizador e a massa cinzenta do hipnotizado. “A formação reticular controla a vigília e o sono e ainda seleciona em que informações devemos nos concentrar”, explica o psiquiatra Fernando Portela Câmara, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
A tese mais aceita é a de que as palavras do hipnotizador, processadas pelo nervo auditivo, alcançam a ponta dessa rede, na base do cérebro, e se espalham por toda a massa cinzenta. Por se tratar de estímulos repetitivos quando eles chegam no lobo frontal, região atrás da testa, concentram a atenção do paciente em um único foco, inibindo tudo o que está ao redor.
Fonte: Revista Superinteressante
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